A aceleração dos efeitos terapêuticos em psicanálise.*



por Vera Nogueira


A produção de efeitos rápidos sobre o sintoma não é novidade tanto no tratamento analítico individual quanto em instituições, pois a psicanálise clássica sempre constatou esses efeitos, mesmo antes da tentativa de técnicas para isso, como na análise das resistências nos anos 1920.
Gilliéron mostra, segundo Cottet, que o movimento para alongar os tratamentos começou muito cedo e que o sentimento em relação à longa duração varia no tempo e na história. Cottet (p.41) diz q a impaciência subjetiva é característica do século xx, e o homem apressado responsabiliza o psicanalista por essa demora".

Freud reage a Rank, Segundo Cottet, um pouco tarde, fornecendo uma justificativa sociológica para a tentativa de encurtar a duração dos tratamentos, concebida “sob a tensão do contraste entre a miséria do pós-Guerra na Europa e a ‘prosperity’ dos Estados Unidos”. Para Freud, Rank queria “adaptar o tempo da terapia analítica à pressa da vida americana” (Freud, “Analyse avec fin et...” 1930. Em: Résultats, idées et problèmes II, 232), o que quer dizer que as razões para diminuir o tempo do tratamento não têm a ver com o próprio conceito de análise, na época de Freud.

Cottet diz que quando a análise é recomendada, ela é pouco explícita quanto às contraindicações à longa duração. Foi o movimento húngaro, a partir de Sándor Ferenczi e prosseguido (com Franz Alexander) pela escola de Chicago nos anos 1950, que se preocupou em evitar o desenvolvimento da neurose de transferência, substituindo por uma educação emocional. Cottet diz que “decorre disso uma localização que remete, segundo Philippe La Sagna (em Lettre Mensuelle, n.236), ‘permanentemente o paciente à realidade de suas relações objetais e sociais, a fim de evitar que ele se refugie no passado, no fantasma, na irrealidade da transferência’”. 

Como se nota então, havia incapacidade dos analistas da época de se sustentarem na ética do desejo, havia uma adesão ao ideal na medicina, ideal de curar, como também na atualidade, sempre com uma pressão externa ideológica e social.

Nesse ponto, não é dos sintomas clássicos que se faz referência, mas do que ressalta o "aspecto deficitário do sintoma", o que leva à medicalização: "o mal-estar, o desbussolamento, a desagregação, e a depressão" (p.42/43)

"O amálgama entre precariedade simbólica e exclusão social situa o lugar do psicoterapeuta entre o curandeiro e o médico, espécie de xamã perito na eficácia simbólica”.(p.43) O psicoterapeuta aí entre o curandeiro e o médico, numa certeza de que dão conta da precariedade e da exclusão social tão gritante

Cottet diz que "Razões externas constituem o empuxo-ao-psi contemporâneo". A aceleração do tempo condiciona a iniciativa do CPCT.  Cottet fala que o CPCT se vê numa situação de confronto com "a impostura das terapias cognitivo-comportamentais (TCC), que são arrogantes com seus protocolos de boa conduta, opondo-os ao aristocratismo do intelectualismo freudiano" que eles desprezam.

Especificidade do CPCT

Quanto à especificidade do CPCT, são inúmeros os motivos externos e as pressões. Segundo Cottet, o mal-estar na civilização provoca sintomas, cuja opinião é a de que a urgência só pode ser tratada por disciplinas novas que não tenham a ver com a psicanálise de longa duração. 

Cottet fala do peso do real, um peso que "confunde as balizas diagnósticas habituais e justifica o ponto de exclusão, a precariedade e os distúrbios da identidade social, que certamente dissimula tipos clínicos e estruturas perfeitamente localizáveis em nosso campo." Ou seja, O peso do real leva a confusão diagnóstica. Além de também explicar  o ponto de vista psicossocial sobre a exclusão, sobre a precariedade e os distúrbios da identidade social, que dissimula tipos clínicos e estruturas.(p.44)
Nessas estruturas, sintomas como fobia social, os ataques de pânico e as depressões, estão incluídos no DSM IV e tornam os sujeitos presas fáceis para as TCC e a programação neurolinguística (PNL) etc. Além desse déficit, há carências institucionais, que "confirmam a 'precariedade simbólica' – segundo a expressão de Hugo Freda - com a qual somos confrontados" (p.44)

Os pacientes do CPCT frequentemente provêm de instituições e de estruturas de acolhimento desmoronadas, o que acentua o traço de exclusão característico da maioria q vem ao CPCT. Esses pacientes, muito deles, desagregados, antes do CPCT, já percorreram outros tratamentos como consulta a um psiquiatra, um psicólogo, um guru etc. 

Segundo Cottet, “um real como esse nos obriga a escutá-los, (mas) visando a uma retificação das orientações, frequentemente catastróficas, que lhes foram dadas” (p.44), e que é impossível esquivar-se de suplementar as carências atuais. O CPCT, dessa forma, rompe com o que faz do sintoma "uma pura disfunção". 
O CPCT quer ouvir e saber do que se trata, o que é muito além do que simplesmente escutar. Importa, então, segundo Cottet, "muito menos saber se o sujeito é analisável do que responder de maneira apropriada a uma demanda ainda mais distante do discurso analítico e para a qual a psicoterapia comportamental evidentemente é surda."

Novas formas do sintoma

Cottet pergunta "por que essas novas formas do sintoma justificariam uma terapia ativa, uma aceleração dos efeitos terapêuticos?”
"Por que o caráter híbrido da patologia, misto de gozo obscuro e precariedade, adapta-se a um modo de intervenção do psicanalista na contramão de seu papel habitual, ou seja, face a face, presença ativa, tempo limitado, gratuidade?" (p.45).

Cottet especifica o ideal-tipo do paciente, o paradigma desse caráter híbrido: o trauma de hoje, individual ou familiar, é a patologia do Outro. O sujeito, com seu discurso num tom de vítima, atribuindo suas dificuldades a um outro como responsável, pode "mobilizar a transferência para com esses outro benevolente e desinteressado" (p.45).

Exemplos há, como descreve Cottet, desse modo contemporâneo em que tal enfraquecimento é ilustrado. Lacan, em seu texto “De uma questão preliminar...” p.585, falava como carências causadoras da psicose: pai humilhado, acabrunhado, caseiro etc. Outros com presença feroz que pretendiam ser a lei, além de ainda outros exemplos que constam da modernidade do trauma: pais homossexuais, portadores de HIV, doentes mentais, pedófilos, pais ou mães abandonadores. Também os lutos patológicos e as rupturas sentimentais, cuja "incidência do real traumático atinge seu ponto mais alto" completam o quadro de atendidos no CPCT. 

Cottet diz que um "dizer esclarecedor pode separar o sujeito da desordem contra a qual se insurge", o que dá um efeito de alívio, trazendo benefícios. E que não é necessário um tempo indefinido para produzir essa retificação", como num caso no qual se obteve um “efeito fulminante" após uma retificação em que a intervenção do terapeuta desloca as responsabilidades (p.46).

 O CPCT realiza um trabalho com patologias graves. E se com essas situações é possível a aceleração do tempo para compreendê-las, mais fácil ainda no questionamento neurótico. Exemplo de "uma homossexual feminina, deprimida e desgostosa com sua escolha de objeto, tenta compreender...a ruminação de seu gozo" (p.47). Diante das palavras do analista, ele se dá conta de que nunca se formulara essa questão.

Então, o deslocamento do sujeito vai produzir um efeito benéfico que alivia a paciente (desse caso) de uma ruminação interminável sobre a causalidade familiar de seu gozo." Cottet chama isso de "um acontecimento terapêutico".(p.47) 

Cottet diz que esses efeitos são efeitos que não podem ser programados, é preciso tempo. E pergunta: “Como uma duração limitada acelera um trabalho que conduz o sujeito, a um remanejamento subjetivo, ou seja, precipita o instante de ver, a retificação da relação com o real?”
Há que selecionar o material, "não se falará de tudo; ali onde 'isso sofre' não é necessariamente 'onde isso fala.'" Naquilo que o sujeito se queixa e não compreende, tentamos organizar a questão, indicando o assunto a ser tratado., o q não é o mesmo que num tratamento médico. 

Assim, há "uma direção que favorece a focalização." Há predecessores, como Balint e seus alunos, que trabalhavam com um forçamento terapêutico que curto-circuita o inconsciente. Cottet diz que é preciso, no novo standad, estar “compatível com nossos princípios”. E propõe “traduzir em lacaniano o dispositivo em questão, como se brincando de construir um perfil com base em uma série de perguntas e respostas diretas":

“a) a negligência seletiva: há um limite para a associação livre, a descrição maníaca, a panóplia do fantasma. A distância dessa prática em relação ao discurso analítico deve ser formalizada" 
b) a focalização: isola-se o real do sintoma do saber inconsciente, privilegiando o laço social a ser restaurado.
c) o término fixado antecipadamente implica a ativação do tempo para compreender e não o aditamento de um número ilimitado de sessões definidas por um protocolo. O efeito terapêutico se produz ou não; quando se produz é em quatro meses. Como diria La Palice, se o tempo é limitado, o efeito é rápido, toda vez em que houve efeito.
d) o face a face é a presença do psicanalista como objeto e não apenas como simples escuta” (p.48).

Assim, como mostra Cottet, o de que se trata não é se contentar em recobrir com conceitos lacanianos práticas psicoterápicas que rejeitam o ato analítico, mas trata-se de uma nova forma de psicanálise aplicada às atuais manifestações de desagregação do Nome-do-Pai. Além disso, ele diz que o dispositivo é particularmente adaptado à psicose ou mais adaptado à psicose ordinária que à neurose ordinária", porque "favorece uma suplência por intermédio da fala e visa essencialmente desfazer o desligamento do Outro social."

Um exemplo

Um caso que ilustra o cerceamento do laço social. Jovem que chega ao CPCT em estado crepuscular, com delírio sobre o feminismo. Ela persegue um rapaz, e, para ela, há igualdade entre os sexos. O analista focaliza o discurso da paciente em sua teoria delirante da relação sexual. Seu companheiro representa o homem universal; sobre ele a dívida de todos os homens com as mulheres, em todos os tempos. Também aqui, “a mulher encontra o homem em uma miragem do universal dominador. Não há vida privada. A relação sexual é um microcosmo da história do mundo reduzido exclusivamente ao binário homem-mulher" (p.49). Cottet, parafraseando a aula de 9/3/1976 de Lacan, em “O Seminário, livro 23: o sinthoma”: “os sexos eventualmente se opõem como o imaginário e o real”.

O sujeito é assim remetido pelo analista à particularidade da sua escolha. Esse casal, como dia Cottet, “não se inscreve na repetição infindável da guerra dos sexos, ao contrário, faz exceção. Ela é convencida de que em seu caso, a relação entre o homem e a mulher é fora do sexo" (p.49).

No caso, observou-se o deslocamento de uma paranoia delirante a uma parafrenia pacificada. A paciente sai do CPCT garantindo uma retomada do diálogo.

O CPCT muitas vezes é a última etapa, depois de uma corrida por todas as terapias contemporâneas, que defendem construir ou reconstruir um ego. Há casos que chegam ao CPCT para se reconstruírem, reconstruir o corpo. É exemplo a jovem que tem um defeito físico, o qual quase não se o nota. Ela o liga a ideias da sua infância e pensa que essas ideias assombrosas se realizaram. Quer 'compreender, a fim de que isso pare', ou seja, que cesse seu despedaçamento, isso após tentar astrologia etc. Cottet diz que até o momento o CPCT evitou a hospitalização, mas temendo haver uma recidiva, ou seja, um empuxo-ao-gozo do corpo despedaçado (p.50).

Outro exemplo

Caso de suplências que cedem. Seria o caso de transferência institucional remediar situações como esta?, pergunta Cottet. Trata-se de um homem de 65 anos, decidido, hiperativo, diante de catástrofes em sua vida econômica e afetiva. Vem ao CPCT e tem a mesma idade do pai quando morreu. Identificado ao pai que “se construiu sozinho”. Chora muito. Além de outras especialidades (auriculoterapeuta e um especialista em programação neurolinguística), já passou por uma psiquiatra, que lhe disse: “Você é o filhinho que chora por seu pai”. É tratado como um deprimido, quando a questão, na verdade, é investigar se o luto do pai foi feito.

Como o pai, sempre dirigiu tudo. Cottet diz que ele "atualiza o mito do sujeito treinado e treinador de si mesmo, figura eminente do ego de substituição". Há interpretação erotomaníaca em relação à terapeuta antes da psiquiatra e com quem ele acha que progrediu, mas com as férias ele é lançado em uma “perplexidade angustiante” (p.51). É hospitalizado porque pode tentar suicídio.

Não é um caso de efeito de cura rápido do CPCT, mas observa-se os estragos feitos pelo que Cottet nomeia: os "artesãos da felicidade". Trata-se nesse caso de "uma simbiose com o ego paterno desmoronando em uma fuga hipomaníaca". Falar com um analista (colega de Cottet) e a confiança depositada nele impedem a passagem ao ato suicida (p.51), o que deve ser atribuído, segundo Cottet, ao trabalho no CPCT, como "lugar transicional", antes de ser confiado a outras mãos.

Cottet conclui opondo a duração relativamente curta para compreender ao tratamento de longa duração das psicoses delirantes fora do CPCT. Ele diz que as TCC fazem o oposto, sendo que, nesse caso, os efeitos terapêuticos rápidos obtidos em 25 sessões dizem respeito a psicóticos e se devem unicamente a "identificações sugeridas com um ego suplementar escolhido antecipadamente pelo terapeuta. Não se corre o risco da loucura de compreender. Não há nada para compreender, nem para saber” (p.51).

O sujeito em busca de si mesmo não é no CPCT que o encontrará, diz Cottet, mas pode o inventar. "De todo modo, o encontro com o analista o inscreve em um novo laço social realizado pela comunidade que formamos com ele, para além da própria transferência" 



*Cottet, Serge. “Efeitos terapêuticos na clínica psicanalítica contemporânea”. In: Efeitos terapêuticos na psicanálise aplicada. Rio de Janeiro: Contra Capa, pp. 11- 51.