O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada: um novo sofisma



Apresentação: Eliana B. Castro


A persistência da memória, Salvador Dali (1931)


A psicanálise de Orientação Lacaniana é uma teoria da prática e se separa de toda concepção que pretenda reduzi-la a uma técnica que não é senão uma das formas da rotina. O tema do tempo produz uma refutação do tempo cronológico como principio que aspira a constituir-se enquanto conceito fundamental da psicanálise e seu exercício.

O tempo deve corresponder à estrutura que a determina para responder ao conceito de inconsciente e de sujeito. Desta forma, as sessões psicanalíticas sem tempo determinado, obedecem à lógica do inconsciente do sujeito. O tempo em análise deve ir contra o tempo do neurótico. Ex. A postergação do obsessivo, as queixas da histérica com as sessões curtas, as repetições incessantes de fazer depois, de não deu tempo, de deixar para ultima hora, etc.

 O tempo de sessão deve incluir em si mesmo o tempo de análise, tempo que visa alcançar o desejo do sujeito. O momento de cortar a sessão é uma forma de provocar uma elaboração sobre esse dito, surgindo um enigma sobre quem sou eu.

Trata-se de um texto curto e denso. Lacan no pós guerra discute a liberdade do sujeito. Vai discutir aqui a lógica da segregação, do fechamento, onde só nos libertamos a partir do Outro.

Lacan vai tentar demonstrar, na lógica de um sofisma, as molas de tempo pelos quais a ação humana, na medida em que se ordena pela ação do Outro, encontra na escansão de suas hesitações o advento de sua certeza e, na decisão que a conclui, dá a ação do Outro, que desde então, ela passa a incluir com sua sanção quanto ao passado, seu sentido porvir. É a certeza antecipada pelo sujeito, no tempo de compreender que precipita o momento de concluir. É esse tempo subjetivo que estrutura a ação humana onde a estratégia, teoria dos jogos, começa a fornecer as fórmulas.

Para articular a dimensão do tempo intersubjetivo, Lacan vai utilizar o sofisma, anedota dos Três prisioneiros, onde vamos analisar os três tempos lógicos:

Um diretor de uma prisão escolhe três prisioneiros e lhes diz que um deles terá sua liberdade como premiação se responder ao que lhe será proposto.

Teremos cinco discos: três brancos e dois pretos. Pregará nas costas de cada um dos três prisioneiros de forma que cada um só verá os outros dois e não sabe qual a cor do seu. Temos então, A, B e C  os prisioneiros e três discos brancos, ººº e dois pretos.  **O diretor opta por colocar os três os discos brancos. O primeiro que sair da cela, terá que justificar logicamente como chegou à conclusão da cor do seu disco e obterá a liberdade. Depois de um certo tempo, saem os três juntos. Seu raciocínio lógico foi: eu sou branco, porque vejo B e C também brancos.

Reflexões do prisioneiro A:

1-BR PR PR

2-PR BR BR

3-BR BR BR  

1-A primeira solução – se eu visse dois pretos, saberia que sou branco, seria o instante de ver. O sujeito domina o objeto imediatamente.

2-A segunda forma – Posso ser preto ou branco, porque vejo dois brancos. Tempo para compreender. Me ponho no lugar de B, que não sabe sua cor e pensaria: se eu fosse preto o C veria dois discos pretos e sairia, concluindo  logo que sou branco. Tempo compartilhado.

A(*)   B(?)  C( º) 

Igualmente o raciocínio pensando se fosse C. Como os dois não saíram, eu A só posso ser branco, acertando assim o sofisma. A objetividade desse tempo vacila com seu limite.

3- Todos brancos- momento de concluir.

Lacan diz tratar-se aqui de um sujeito de pura lógica: o que determina o julgamento do sujeito é a não ação dos outros dois, o tempo de parada de B e C.

Na asserção subjetiva:” eu sou branco”, temos a certeza antecipada.

Como chegar na certeza a partir de seus obstáculos?

Primeiramente a evidência do raciocínio: se fossem 2 pretos e 1 branco seria uma lógica exclusiva. Lacan descreve como o tempo = zero. Instante de ver. Imediato.

Segunda evidência – se cristaliza uma hipótese, assim: “se eu fosse preto, os dois brancos que vejo não tardariam em se reconhecer como brancos”. Esse é considerado o tempo de compreender, que supõe a duração de um tempo de meditação: o raciocínio de A vem colocar-se no lugar dos outros e refletir.  O tempo de compreender é dos outros. Esse tempo assim objetivado é incomensurável e que pode se reduzir ao instante do olhar. 

Terceira evidência do raciocínio - o sujeito se apressa em afirmar-se branco para que esses brancos que ele vê não o ultrapassem, e ele perca sua liberdade. Esse é o momento de concluir. Prosseguimento do tempo de compreender. Essa reflexão, que se apresenta subjetivamente para ele, (semelhante à um insight freudiano) como se fosse um tempo de atraso em relação aos outros, e sentida como pressa. Apresenta-se logicamente como a urgência do momento de concluir. É na urgência do movimento lógico que o sujeito precipita seu julgamento e seu ato. Essa é a função da pressa.

Na asserção subjetiva (sou branco), o sujeito atinge a verdade desse atributo que lhe foi conferido e que é tão fundamental para a sua vida. Ela só poderá ser verificada na certeza, pois se o sujeito ficar na duvida, sou BR ou PR, não poderá jamais vir a constatá-la. (certeza antecipada) Só se verifica nela mesma. Essa conclusão é correlata a angustia, esse afeto que não engana, traz em si a certeza.

O valor lógico do terceiro momento da evidência, revela uma forma própria a uma lógica assertiva, da qual convém demonstrar a que relações originais ela se aplica. Relações proposicionais:

Apódose e hipótese. Ex. Se queres a paz, (prótose), prepara-te para a guerra (apódose). “Para que não haja erro... (angustia) eu concluo.
Hipótese: independente do fato de ser falsa ou verdadeira, como um princípio a partir do qual se pode deduzir um determinado conjunto de conseqüências, suposição conjectura.(Aurelio)

Na asserção subjetiva, o sujeito lógico não é outro senão a forma pessoal do sujeito do conhecimento, aquele que só pode ser exprimido por “eu”. O juízo que conclui o sofisma só pode ser portado pelo sujeito que formou a asserção sobre si. Asserção: afirmação categórica: sou Branco. Ao contrário dos dois primeiros tempos onde o sujeito... é impessoal – sujeito indefinido recíproco.  O primeiro sujeito se exprime no “se” sabe-se que ...apenas a forma geral do noético, do racional. O segundo sujeito, “os dois brancos” que devem reconhecer um ao outro, introduz a forma do sujeito como tal.

Podemos relacionar com a Proposição de 9 de outubro, onde Lacan fala da formação do analista, da autorização por si mesmo e por alguns outros, com estes três tempos lógicos: após um tempo de compreender, onde o sujeito repete inúmeras vezes seu sintoma, sua queixa, seu desejo de sentido, até um momento de concluir, onde surge uma pressa, um basta. Um desejo de liberdade?

Podemos fazer uma relação também com o texto de Freud, “Repetir, recordar e elaborar”. Temos também três tempos, onde Freud afirma que repetimos os nossos desejos recalcados, e o sujeito resiste em abandonar o circuito que deu origem a esse sujeito. O tratamento analítico vai tentar superar essas defesas através da fala, do recordar, repetir, repetir até compreender. E então do tempo de compreender, uma passagem, uma elaboração para o momento de concluir.