EL Ninõ y su Familia - Um comentário por Ana Maria Ferreira sobre a Entrevista de Sílvia Tendlarz a Éric Laurent
Comentário de Ana Maria Ferreira da Silva sobre o Prólogo do livro El Ninõ y su Familia - Uma entrevista de Sílvia Tendlarz a Éric Laurent, realizada em 2 de abril de 2018.
El
Ninõ R.S.I
Laurent
inicia falando que o interesse do tema do livro se dá a partir das novas
configurações familiares e o lugar que a criança ocupa nelas, a partir do
século XIX e principalmente no século XXI, quando essas novas configurações
familiares estão “remodeladas” pela eficácia de novas formas de procriação,
desde a introdução da pílula na 2ª metade do séc. XX, depois com a procriação
medicamente assistida do final do séc. XX e agora com as novas técnicas que tem
modificado a maneira como a criança era concebida, do acaso, sem controle,
substituída por um número menor e mais calculadas, planejadas, tanto quantitativa
quanto qualitativamente. Estas questões fizeram com que Laurent e outros, como
Nouria Gründler, François Ansermet e Dominique Laurent, realizassem um curso
intitulado: “Disrupções na filiação, a procriação e o gênero”. Estes termos
“renovam o estatuto da criança de uma maneira diferente da família patriarcal,
ideal do século XIX, especialmente de Freud”, que atribuía um caráter lógico do
Édipo, independente dos modelos familiares, sustentando a ideia de um ideal de
criança. Na atualidade, estamos mais além do ideal, temos muitas formas de
famílias e de filiações e também a escolha do gênero das crianças. Isto produz
outros tipos de problemas e desloca a clínica do que é a criança e seu lugar na
família para fora do discurso analítico. Laurent comenta, na página 10 deste prólogo,
que ao explorar essas novas configurações de família, também explora a
reconfiguração do discurso analítico.
Lacan,
a partir dos anos 60, “distinguiu os pais da realidade, que às vezes, se pode
chamar pai real, e o pai simbólico, NP, o pai deus”. “Isto introduz uma hiância
entre esses 2 personagens. Esta é a razão pelo qual o pai, em nossa civilização
é um ser fraco, que manca” – onde há uma desarticulação entre ‘o comum do pai
da realidade com suas peculiaridades e o que tem a função de articular o
simbólico, função muito mais além desses pais da realidade” e esse contraste
segundo Lacan, faz que todos delirem. “A garantia do nome do Pai não funciona”.
Em “Nota sobre uma criança”, Lacan diz que a família é algo real. Segundo
Laurent, há uma tensão muito grande no ensino de Lacan entre a família como um
real e o pai como algo simbólico, principalmente no final do séc. XX e no atual
séc. XXI, em todas as formas de articulação entre as famílias e as
tecnociências sobre a filiação. Prossegue dizendo que isto determina que hoje
se fale mais de “parentalidade” que de paternidade. A parentalidade trata-se de
um neologismo do discurso do amo do final do séc. XX, que “concerne ao lado
real da família”, que se refere a todas as classes de família para não falar de
pais, “por não se saber se são pais, mães, mães de adoção, de gestação ou de
substituição”. “A família que se apresenta em nossa clínica é muito mais real
que simbólica. A lei que acolhe os imigrantes é separada da dimensão simbólica,
“é uma forma real de fazer formas de famílias que podem acolher todas as novas
produções de criança”.
Laurent
argumenta que os distintos artigos deste livro tratam dos aspectos da tensão
entre a criança definidos a partir de seus estatutos simbólicos, como ideal do
eu ou ideal da família, ideal para os pais, especialmente para a mãe e a
criança muito mais objeto da família, produzido por esta família real, objeto
calculado, produzido, muitas vezes por leis estatais, como na China, onde a
produção de um único filho leva os pais a depositarem todas as esperanças nessa
criança, levando esta, por vezes ao suicídio, caso não consiga corresponder às
expectativas da família. Trata-se de uma relação particular com as exigências
da civilização.
>Silvia
Elena Tendlarz, marca que Laurent, em seu livro O reverso da biopolítica faz um giro em suas reflexões sobre a
psicanálise, sobretudo em relação como um sujeito pode ser sintoma de outro
corpo. Como pensar a criança como sintoma de outro corpo, seja do pai ou da
mãe? Isto modificaria o lugar da criança como sintoma do casal parental ou o
lugar da criança na fantasia ou fantasma materno? Em Lacan havia alguma
modificação nas últimas reflexões sobre o sinthome?
>Laurent.
Há uma modificação em relação à abordagem clássica da significação fálica. A
configuração Freudiana, a configuração fálica passa, no menino, pela ameaça da
castração pelo pai (-phi) e define,
depois, uma significação fálica positiva na qual o menino se aloja. Quanto a
menina passa pelo amor, há uma mudança do objeto de amor da mãe para o amor ao
pai e neste caso não se trataria de uma ameaça da castração, senão da perda de
amor.
Lacan,
depois de formalizar logicamente o drama edípico, a partir do seminário da
angústia, fala de uma angústia vinculada não tanto ao falo como objeto
ameaçado, mas uma angústia de separação a partir da maneira como se separam os
objetos do corpo. Estabelece uma significação fálica sem passar pela metáfora
paterna da lógica do édipo clássico. Passa pelas versões do objeto “a”, as separações
que a criança tem podido fazer de seus objetos e o valor do objeto “a” que tem
para a mãe. Isto determina o valor fálico. Isto desloca a prática clínica com
criança, o que se quer obter de uma análise com crianças: versões do valor
fálico, as coordenadas das versões do objeto “a”, que permitem indagar e obter
este valor fálico que é também encarnado pelo objeto transicional como dizia
Winnicott, esse objeto que circula, que faz cópula entre a criança e a mãe e a própria
criança pode ter valor de objeto para a mãe. Mas utilizá-lo como instrumento é
uma etapa no horizonte do que se interroga como “ele ser o sintoma de outro
corpo.
“Ser
o sintoma de outro corpo”, no ensino de Lacan é a posição da mulher, ser
sintoma do corpo do homem. No ensino clássico a mulher tinha um valor fálico
para o homem. O uso do pênis com valor
fálico se dá se houver disposição subjetiva do homem em aceitar, reconhecer e
admitir, amar o fato de que o falo de seu corpo é a parceira. Posteriormente,
Lacan a faz ser o falo sintoma, sintoma à decifrar, enigma para um homem. O
gozo fálico entra na categoria do parceiro sintoma. A mulher, sintoma de outro
corpo desloca toda uma série de questões.
A
báscula fundamental na obra de Lacan é de reinventar a psicanálise não mais do
lado dos valores masculinos mas dos valores femininos, a partir do gozo
feminino. Questões como as observações clínicas que situam a criança no seu
valor fálico para uma mulher. Isto significa, para Lacan, que todos os objetos
de amor de uma mulher são objetos separados, se separam dela. É o motivo pelos
quais elas não estão tão aferradas como os homens a ter o gozo do proprietário.
Elas não têm medo de perder algo como os homens, seus objetos separados que vão
para o mundo não produzem a mesma angústia, a angústia é mais real na exigência
de amor dos objetos separados.
A
partir dessa visão de Lacan em “Nota sobre a criança” ele trabalha a criança, não
somente como objeto falo da mãe, senão como objeto “a”, carga de objeto de
gozo. Esta direção permanece até o seminário R.S.I quando ele define um pai não
como primeira identificação a partir do amor a esse pai. Lacan faz do amor do
pai algo que passa pela maneira como ele se ocupa dos objetos “a” de uma mãe.
“Um pai, só tem direito ao respeito, ao amor se está père-versamente orientado, quer dizer, faz de uma mulher objeto que
causa seu desejo. No entanto, o que a mulher a-colhe, se ocupa, é de outros
objetos “a”, que são seus filhos”. (Seminário R.S.I, lição de 21 janeiro 1975).
Nessa nova configuração, o pai tem uma dignidade porque é ele o que pode fazer
uma operação que dá um lugar de mulher a uma mãe. A mãe se ocupa dos objetos
“a”, causa do desejo, seus filhos, que ela produziu. Enquanto o homem, diz
Lacan, só é digno do amor e respeito porque faz uma metáfora particular com
esta mãe que enquanto mulher causa seu desejo. Logo, para Lacan, o amor ao pai
não passa pela identificação, é uma dedução que vem a partir de uma operação
que se efetua ou não. Se o homem faz essa alquimia, se produz o fenômeno “amor
ao pai”.
Nas
novas constituições familiares, este não pode ser o único horizonte, a única
solução: manter uma família unida e clássica, ou confundi-la com o real da
família, que articula de uma maneira nova como o homem que faz de uma mulher a
causa de seu desejo está articulado na família. Clinicamente, há novas demandas
de famílias e de crianças imersos em uma família muito diferente do que era o
ideal imóvel.
>Silvia
Elena Tendlarz: Como situar a criança na oposição clássica entre sintoma e
fantasma?
>Laurent:
Importante aprofundar esta oposição sintoma-fantasma. Lacan fez a distinção
entre a criança sintoma do casal e a criança objeto do fantasma materno. Isto
foi muito útil e é um instrumento clínico determinante porque dizer sintoma do
casal desloca também o drama e não é o drama o que está em jogo, sim como se
articulam enquanto casal em sua dimensão real.
A criança sintoma de um casal é o valor de como se articula uma
configuração RSI, uma configuração real, simbólica e imaginária, aspectos muito
mais além das formas legais do matrimônio.
Laurent
considera que a criança não é somente objeto do fantasma materno, senão sintoma
da mãe, ou seja, a oposição sintoma - objeto do fantasma em sua relação com a
mãe e isto permite definir e articular melhor a oposição real, simbólica e
imaginária da criança em sua relação com a mãe. Isto, Lacan trabalhou ao final
do texto “Nota sobre a criança” quando assinala que as mulheres têm seu objeto
em uma dimensão real, não apenas imaginária e simbólica. Isto permite definir
um valor de gozo, um gozo que é mais o gozo feminino nas mães, mais além do
valor fálico. Para definir mais precisamente este valor real do objeto,
necessário se articular sintoma e fantasma do lado materno.
Laurent
diz que isto faz parte da renovação do discurso que temos elaborado em relação
a esses pontos. A clínica tem que considerar a relação da criança com sua mãe
ou da criança com os pais na dimensão da “invenção”, o mesmo que se produz com
os pais na parentalidade. Essa invenção é a porta de entrada através da qual o
terapeuta depois pode tratar de amplia-la ou alojar-se. A partir do que foi a
primeira definição da relação positiva da invenção se pode ordenar a montagem
real, simbólico, imaginário com os pais.
>Silva:
Gostaria de pergunta-lhe sobre a expansão do mundo virtual. Que relação tem
entre a criança e sua família? E em contraposição a isto, como atua entre eles
os processos segregativos que são cada vez mais estimulados na atualidade?
>Laurent:
Efetivamente são duas coisas que caminham juntas. A nova articulação da criança
com suas telas, introduzidas na idade muito precoce, serve de janela a um mundo
completamente globalizado, um sem limite. Por outro lado leva ao acesso a
segregações reais maciças, onde as crianças não têm mais nada em comum, sendo a
tela o único objeto? comum. Neste sentido, se reforça o caráter real do laço
com a tela, único acesso a este mundo globalizado. Vemos como as crianças fazer
distintos usos dela. As identificações são diversificadas, dos desenhos
americanos aos japoneses que muitas vezes são utilizados nas terapias,
inclusive com autistas, que também estão imersos nesta questão. Depois passam a
usar o celular, que passa a ser um apêndice fundamental do sujeito e
posteriormente o computador. As crianças e adolescentes se fecham em seu espaço
onde sua relação com o mundo é determinada por isto. Isto se encontra mais presente em
civilizações orientais onde a relação do sujeito com o mundo é definida por
normas muito exigentes que podem produzir uma separação com o mundo e um
afastamento de todas as normas sociais. No entanto cada um resolve de uma
maneira.
>Silva:
Seria o contrário na segregação?
>Laurent:
Diz que há vários processos de segregação: fechar-se em sua casa e depois se
ressocializar-se ou uma desagregação posterior, há segregação econômica e
social, por um lado e segregações que produzem invenções, como o caso dos
hikikomoris. A pressão social japonesa não é de segregação, trata-se de uma
exigência de inclusão a todos o níveis, exigência de normalidade inclusiva que
produz efeitos de reação que pode ser muito fortes.
Laurent
então faz uma articulação entre o virtual e as adições e que é necessário tato
parental para regular essa relação dos filhos com as telas. Novas classes de negociações
na vida cotidiana dos pais. É necessário a regulação de um gozo real a partir
do que há no mundo virtual.
Ø Silvia:
Existe nas neurociências um debate importante em torno da inteligência
artificial. Que lugar ocupa a criança neste debate?
Ø Laurent:
A criança é agora um campo de batalha entre as neurociências e os pedagogos.
Estes, sempre quiseram ocupar-se das crianças desde o Renascimento, quando os
jesuítas o fizeram para conquistar o coração das mulheres, estas, causa de um
amor divino. Atualmente os pedagogos estão ao lado das neurociências que tem
algo a ensinar-lhes. Não há que confiar estritamente na invenção ou na
criatividade da criança, como se fazia, senão também há que respeitar o que é a
repetição, que permite imprimir no cérebro as atividades levando à fixação da
aprendizagem. Esta chave da aprendizagem é fundamental porque, por exemplo, em
certa época, ao fixar-se nas esperanças da imaginação se havia reduzido o
interesse por aprender realmente as matérias. Com o acento posto por Lacan
sobre o simbólico do real, fez que nas questões de reformas da universidade e
da escola, entre aquelas pessoas inspiradas por Lacan, Jean-Claude Milner- que
foi conselheiro do Ministro de educação, insistiu que havia que aprender
passando pela lógica de um discurso para entrar na estrutura complexa do Outro
simbólico e não apoiar-se somente nos poderes do imaginário. Havia um
real-simbólico das distintas matérias. Isto é deslocado ou destituído com as
neurociências e teremos debates acerca de como colocar o estatuto da criança
neuronal, seu lugar e sua articulação em competição com a criança objeto “a”.
Sem dúvida teremos coisas para discutir com nossos colegas das neurociências.
Ø Quanto
a inteligência artificial, importante ser retomada. Trata-se de algo fundamental
do Google, da Amazon, do Facebook. Nas últimas Jornadas da Escola da Causa
freudiana, tivemos uma discussão sobre isto com um responsável do Google e um
do Departamento de Inteligência Artificial de Alfabet, Samy Bengio. O que nos
interessa é que os humanos não aprendem como as máquinas, não temos acesso a
muitos dados enquanto que a máquina tem acesso a milhões de dados que permitem
fazer diferenças muito grandes. No entanto, mesmo com poucos dados, aprendemos
coisas extraordinárias. Uma criança não para de ter acesso a coisas novas de
manhã, a tarde e a noite diante da tela ou com seus sonhos. Então há uma
relação com um muito. Isso nos interessa.
Há algo que o homem não tem acesso como muito, que é o que se relaciona com
o sexual, até os Don Juans não se trata de muito, senão do múltiplo que é
diferente. Trata-se de uma relação entre o Um e o múltiplo, o Um do gozo e o
múltiplo do parceiro. O que se pode extrair disso do lado do parceiro do gozo,
isto o diferencia da máquina: o modo de aprendizagem de um sujeito humano que
não aprende, encontra na contingência, encontra parceiros que deixam rastros
inesquecíveis que depois se repetem de maneira tal que podemos dizer que do
lado do sexual não se aprende nada. No caso do sujeito humano, não é o
modelo de aprendizagem das neurociências que nos levam à repetição, não é o
acúmulo de dados, mas sim a contingência que ao deixar marcas, nos fazem
repetir.